por Fabiano dos Reis Taino
INTRODUÇÃO
A imunidade das Entidades de Assistência Social é um tema que provoca muita discussão na doutrina, em que pese a Jurisprudência das altas cortes não alimentar tão acalorado debate.
Realizamos um trabalho que não pretende se aproximar do enfoque total do tema. Nossa intenção foi trilhar uma pesquisa e expor os segmentos que consideramos centrais para o entendimento jurídico, demonstrando em quais pontos estão concentradas as controvérsias doutrinárias.
Os estudos de maiores influências no contexto jurídico estão focados sobre qual a espécie de lei que pode inserir requisitos para se configurar a imunidade tributária de tais Entidades, e ainda, qual a efetiva extensão dessa imunidade.
As Entidades de Assistência Social garantiram o privilégio legal da imunidade em razão da previsão normativa contida no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal que estabeleceu vedação para os poderes tributantes instituírem impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços desses organismos.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
...
VI – instituir impostos sobre:
…
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”
O Constituinte conferiu esse direito às Entidades, em virtude do auxílio prestado pelas mesmas aos entes governamentais na prestação de serviços básicos a parte da sociedade carente.
Desta forma, vê-se com absoluta coerência e merecimento que as Entidades ao assistir aos órgãos públicos no cumprimento de uma função que por imposição constitucional compete a esses, recebam uma contraprestação visando minorar as dificuldades naturais do exercício da beneficência.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Antes de iniciarmos um estudo mais consistente sobre a imunidade das Entidades de Assistência Social, devemos conceituar e definir o que é exatamente IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.
Alguns Autores discorreram extensamente sobre o conceito imunidade procurando circundar todos os seus aspectos e influência no universo jurídico. Entre os quais podemos destacar o brilhante jurista Paulo de Barros Carvalho, o qual refuta entendimentos de que a imunidade seja a limitação constitucional às competências tributárias, ou ainda, seja a exclusão ou supressão do poder tributar, como também, um impedimento à incidência tributária.
Nenhuma destas teorias conceituais podem prosperar eis que: a um, para considerar a imunidade uma limitação à competência tributária teríamos que partir do pressuposto de que primeiramente existisse uma obrigação tributária a ser limitada e amputada; a dois, para aceitar integralmente ser a imunidade uma exclusão ou supressão ao poder de tributar também haveria uma norma definidora de competências tributárias e em sequência outra normativa excluindo a competência anteriormente atribuída; a três, o impedimento à incidência tributária pressupõe dispositivo velando sobre a não incidência tributária.
As duas primeiras correntes, estariam afastadas conjuntamente porque a imunidade não prescinde de legislação anterior trazendo determinado tributo e, em seguida, o surgimento de nova determinação constitucional retirando ou excluindo a competência ou poder tributário.
A última vertente por nós trazidas e afastada pelo Professor Paulo de Barros, possui terminologia frágil e vaga eis que o conceito de não incidência, ou para alguns, antijuridicidade é termo ambíguo que causa dificuldade para extrair um pensamento uníssono do conceito de imunidade, além de que, de maneira singela expomos que a não incidência pode ser uma omissão legal, estando reduzida à ausência de lei, ou expressamente por meio da denominação específica proibindo a incidência do tributo,
Diante deste quadro, a conceituação a que findou o doutrinador sobre a imunidade foi de que ela é: “A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.”(1)
Em letras menores, a imunidade é a incompetência tributária, traçada diretamente pela Constituição Federal, expressando que o Poder Público sequer irá poder legislar sobre determinado tema escolhido.
Portanto, vê-se que ela não depende de lei anterior para depois haver nova lei a instituir a imunidade, ela surge do próprio Poder Originário com perfil traçado pelo texto Constitucional.
2.1. IMUNIDADE, ISENÇÃO E NÃO-INCIDÊNCIA
Ponto importante até então não inserido neste artigo, concerne ao fato da imunidade tributária ser instituto definido apenas pela Constituição Federal, sendo esse um dos aspectos de diferenciação entre a imunidade, a isenção e a não incidência.
Talvez para o contribuinte todos tenham o mesmo sentido, eis que em decorrência de qualquer um deles há a impossibilidade da cobrança do tributo, porém juridicamente é necessário descrever qual o significado de isenção e de não incidência.
A isenção é a previsão legal que exclui a tributação, nos dizeres de Ives Gandra Silva Martins, “…na isenção nasce a obrigação tributária, não nascendo o crédito tributário, vale dizer, a obrigação tributária existe, mas o Poder Tributante concede o favor ao contribuinte não convertê-lo em crédito tributário”.
A não incidência pode ocorrer quando nenhum dispositivo legal descreve certo fato gerador, não havendo em hipótese alguma o nascimento da obrigação tributária, e por consequência, de seu crédito. Também pode ser decorrente de texto legal inserindo que sobre determinado fato “não incidirá” o tributo em questão.
Neste contexto, a não-incidêcia se assemelha muito com a imunidade, uma vez que esse instituto atua no ordenamento jurídico antes da verificação da obrigação tributária.
A grande diferença é que no caso de não-incidência, não há qualquer impeditivo de que uma fonte formal, obedecendo os requisitos legais, modifique a situação até então existente e institua tributo a incidir sobre determinado fato, doravante fato gerador, originando a obrigação e o crédito tributário, enquanto que a imunidade, além de não haver legislação contendo tributo incidindo sobre determinado ato ou fato protegido, existe uma previsão constitucional que retira a competência dos entes públicos em criar qualquer obrigação sobre aquele fato ou pessoa protegida, obviamente não podendo ser alterada por leis.
Portanto, a imunidade decorre da Constituição Federal estabelecer a incompetência tributária; a isenção se baseia na lei, havendo antes a obrigação tributária e a posteriori a sua exclusão; e, a não incidência decorre da simples ausência de previsão legal ou previsão legal excluindo a base imponível da possibilidade onerosa, a qual pode ser alterada a qualquer tempo por legislação singela.
3. REQUISITOS PARA SER UMA ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Em primeiro ponto urge-se frisar que ser uma Entidade de Assistência Social é uma condição para o gozo da imunidade.
Um passo a frente temos que a Entidade de Assistência Social, “…embora muitos pensem que deva ser sob a forma de fundação, poderá ser sob as formas de associação e até de sociedade. Não é a forma jurídica que importa e sim o objetivo visado pela criação da entidade” (2), e complementando, o necessário para receber a imunidade é atender alguns requisitos.
Se podemos dizer que os requisitos possuem um princípio geral a ser seguido, ele está descrito explicitamente na própria Constituição Federal no artigo 150, VI, “c” aos trazer o termo “sem fins lucrativos”.
Inerente à ausência de finalidade lucrativa, tem-se que agiu com correção o Constituinte eis que se o Estado está conferindo uma benesse às Entidades para que essas atuem no assistencialismo social, não podem as Entidades almejarem e obterem lucro próprio com o serviço auxiliar, sob pena de desvirtuarem o idealismo de seu funcionamento.
Em relação aos demais requisitos, a Constituição Federal por ser uma norma geral, os remeteu a legislação específica, sendo para qual lei em especial, a Magna Carta quis atribuir essa competência, um dos pontos geradores de conflito na doutrina.
A maioria da doutrina, entre os quais destacamos, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carraza, Adílson Rodrigues Pires e Hugo de Brito Machado, enfatiza que a lei mencionada só pode ser uma Lei Complementar, aduzindo que esse entendimento está fundamentado no artigo 146, II da CF/88 que reza:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
…
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;”
Alega que por ser a imunidade uma limitação à atuação do ente público para tributar, a lei competente a explicitar seus requisitos, e nos termos usados, regular a matéria, é a complementar.
Prossegue no pensamento ao dizer que essa Lei Complementar trazendo os requisitos caracterizadores da imunidade já está inserta no nosso ordenamento jurídico através do artigo 14 do Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como Lei Complementar.
Sacha Calmon Navarro Coêlho traduz que “…há tão somente uma insuficiência literal do texto do art. 150, VI. O constituinte deveria ter acrescentado ao substantivo ‘lei’, o adjetivo ‘complementar’, para maior claridade.” (3)
Dentro deste parâmetro, os requisitos especificados pelo artigo 14 são os seguintes: “I- não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; II- aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III- manterem a escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;”
Portanto, de forma objetiva é traçada a limitação de atuação das Entidades de Assistência Social, a qual merece alguns comentários.
Sobre o disposto no inciso I e II, mostra-se a consonância de ambos com o requisito constitucional, eis que focam o caráter filantrópico das Entidades, uma vez que toda a renda auferida não pode ser distribuída entre dirigentes ou mesmos sócios, devendo ser revertida em benefício sempre da próprio Entidade Assistencial e seu objetivo coletivo.
Note-se que a legislação Complementar implicitamente traz que as Entidades de Assistência Social podem obter rendas e possuir patrimônio, a vedação está em não poderem desviar a finalidade destes recursos para proveito diversos da assistência.
O inciso III do artigo 14 trouxe a preocupação do legislador em consignar a necessidade de haver documentação fiscal hábil para ser certificado a veracidade do uso das verbas recebidas em prol das pessoas assistidas.
O primeiro vértice do pensamento sobre a imunidade das Entidades de Assistência Social, assevera que qualquer legislação que majore ou modifique os requisitos para o reconhecimento da imunidade dessas Entidades está condenada à inconstitucionalidade, caso das Leis nº 8.212/91 (em parte) e 9.732/98, as quais serão exploradas no estudo da corrente minoritária.
Em oposição ao raciocínio acima aduzido existe uma corrente doutrinária, em menor número de crédulos, citamos Ricardo Lobo Torres, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho e Carlos André Ribas de Mello, que refuta a necessidade de Lei Complementar para se fixar regras para a configuração das Entidades de Assistência Social.
Parte do raciocínio de que o texto constitucional diz apenas que a matéria será regulada por “lei”, sem haver especificação de que se trata de Lei Complementar e, em estando redigida isoladamente, somente pode tratar-se de uma lei “simples”, “comum”, qual seja, a Lei Ordinária. Ataca-se a corrente majoritária, dizendo que definir a necessidade através de Lei Complementar seria aumentar a redação elaborada pelo Constituinte.
Acredita que o CTN tem status de Lei Ordinária, podendo assim, os pressupostos nele elencados ser acrescidos, modificados ou mesmo, reduzidos por nova Lei Ordinária.
Ainda imerso ao estudo da lei, os adversários da primeira corrente também explicam que o artigo 146, II traz uma norma genérica, enquanto que o artigo 150, VI, “c” é mais específico e portanto, prevalecendo o entendimento de que uma “lei” qualquer pode trazer requisitos para o exercício da imunidade.
Perdura no raciocínio de que existe outra legislação que já traz, além dos requisitos do Código Tributário Nacional, outras situações a serem obedecidas pelas Entidades de Assistência Social para o gozo da imunidade, estando elas descrita na Lei nº 8.212/91, em seu artigo 55, alterado pela Lei nº 9.732/98, quais sejam resumidamente: reconhecida de utilidade pública; portadora de Certificado ou Registro de Entidade de Fins Filantrópicos; promover gratuitamente em caráter exclusivo a assistência social beneficente a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; não remunerar ou oferecer vantagens a seus sócios e dirigentes; apresentar relatório de atividades a órgão nacional; e, prestação gratuita de benefícios e serviços.
Para lamúria dos doutrinadores e aplicadores do direito que se simpatizam por essa última teoria, lembra-se que existe Ação Direta de Inconstitucionalidade (2028-5/DF) a ser julgada para justamente apontar ou não a constitucionalidade da Lei 9.732/98 na parte em que altera o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, sendo ainda, que em decisão liminar datada de 11 de novembro de 1999, e referendada em 16 de junho de 2000, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia de parte da lei que visa inserir novos requisitos obstativos à imunidade das Entidades de Assistência Social.
Sob a nossa ótica, a razão ampara a corrente majoritária, primeiro em análise do conteúdo político-social temos que os requisitos para a concessão da imunidade não poderiam ficar nas mãos do legislador ordinário, sob pena deste agir, como muitas vezes ocorre, por interesses não necessariamente sociais interferindo no trabalho árduo destas Entidades, visando benefício próprio ou prejuízo de outrem.
E ainda, as Entidades estariam sempre circundadas de modificações nos requisitos para o gozo da imunidade, em razão de possível volúpia de novos legisladores, o que certamente dificultaria a estabilidade das Entidades de Assistência e geraria dúvidas quanto a elaboração de novos projetos sociais.
O exame dos requisitos “quase introduzidos” pelas lei 8.212/91 e 9.732/98 aparenta que o legislador pretendeu coibir a existência desses auxiliares públicos, tentando impor aos mesmas fardos que sequer o Estado com todo o seu aparato cumpre com exatidão.
Se essa não foi a exata intenção do legislador, mas sim, impedir o uso destas Entidades Sociais para fins escusos, tais como, políticos e em benefício próprio, opinamos que seu redator exacerbou neste anseio, e que de outra banda pune as Entidades de Assistência Social dignas, pune a sociedade e também o próprio poder público.
Em coloquiais palavras, o poder público ou pretendeu “tomar o braço” daquele que lhe estendeu a mão, ou mesmo, “recusar-lhe a mão”.
Em segundo lugar não podemos compartilhar do entendimento de que a Lei Ordinária possa regular a matéria da imunidade, eis que nos assenta ser razoável que o Constituinte, ao finalizar o artigo 150, VI, “c” com o termo lei, o fez em sentido amplo, estando a especialidade da lei justamente já definida no artigo 146, II da CF/88 que fixou a competência da Lei Complementar para regular as limitações poder de tributar.
Ademais, um estudo sistemático da Constituição Federal nos impõe a mesma conclusão, estando ambos dispositivos inseridos no Capítulo I “Do Sistema Tributário Nacional”, do Título VI “Da Tributação e do Orçamento”. O artigo 146, II está inserido na Seção I denominada “Dos Princípios Gerais”, adiante na Seção II, “Das Limitações ao Poder de Tributar” está o artigo 150, VI “c”, portanto tem-se que a vedação para se instituir impostos é uma limitação ao poder de tributar, a qual em artigos principiológicos anteriores já definiu que a sua regulamentação será por meio de Lei Complementar, art. 146, II, desta forma, é ao nosso ver, notório que a única lei que pode trazer requisitos, ou seja, regular a limitação do poder de tributar é a Lei Complementar.
Alegar o contrário é exigir que a Constituição Federal seja um amontoado de artigos que não respeitam um sistema técnico-jurídico.
Dirigindo-se para o crepúsculo do tópico, há de afirmar que, além de todo o cerne jurídico sobre a interpretação constitucional, deve ser considerado que os requisitos trazidos pela legislação ordinária se distanciam da realidade das Entidades de Assistência Social.
Inerente ao reconhecimento de utilidade pública, pode-se brevemente dizer que é a oportunidade de intervenção da política local em tema que deveria estar apartado de conflitos partidários e ideológicos, negando dito reconhecimento a quem de direito, ou mesmo, outorgando-o a Entidade não tão proba.
Sobre o certificado de Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, acreditamos que não haveria grandes problemas, salvo a tradicional burocracia dos órgãos públicos. Neste mesmo caso também encaixaríamos a necessidade de realizar relatório de suas atividades a órgão nacional. Sendo que ambos não agregam melhorias à sistematização das Entidades.
Maiores problemas práticos surgiriam com a nova legislação, no tocante aos itens que exigiriam a prestação dos serviços beneficentes de maneira gratuita, uma vez que em diversas hipóteses uma contribuição dos beneficiados ou de seus representantes, ajuda a Entidade de Assistência a se manter em atividade, ressaltando que essa contribuição não é capaz de desvirtuar todo o intuito de auxílio beneficente e filantrópico. Portanto, seria apenas um óbice a mais.
E por fim, há a exigência de não remunerar ou oferecer vantagens a seus sócios e dirigentes. Sobre o obscuro termo vantagens, o mesmo poderia se considerar sensato, eis que “vantagens” nos faz refletir ao menos em lucro, o que aí seria vedado em qualquer hipótese de nosso ordenamento, e não somente através da debatida lei.
Sobre a remuneração novamente nos deparamos com excessiva precaução do legislador que compromete inclusive o ideal funcionamento das Entidades de Assistência, uma vez que imporia aos dirigentes destas Entidades serem pessoas abonadas financeiramente que queiram praticar caridade, o que por óbvio se mostra um equívoco.
O indivíduo, incapaz de dispensar rendimentos mensais, também pode pretender e até mesmo sonhar em desenvolver trabalhos voltados a sociedade e merece receber por seu labor, desde que tais valores não representem distribuição de lucros ou sejam de tal forma elevados que camuflem um repasse de lucros.
Desta forma, nos solidarizamos com a corrente majoritária a qual entende que somente uma Lei Complementar têm competência para trazer regulamentações relativas à limitação ao poder de tributar. Esse raciocínio é decorrente de uma interpretação estrutural da própria Constituição Federal conforme explanado em linhas pretéritas.
Prosseguindo nesta linha de desenvolvimento entendemos que o Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172/66, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em sua totalidade como Lei Complementar, portanto, apto, competente para trazer requisitos sobre a limitação ao poder de tributar, e em especial, sobre a imunidade das Entidades de Assistência Social.
Encerrando o pensamento guerreado, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, apenas o Código Tributário Nacional, em seu artigo 14 insere requisitos a serem cumpridos por Entidades para obter a imunidade prevista em Constituição Federal, enquanto que qualquer outra lei, principalmente, as Leis nº 8.212/91 e 9.732/98, por trazer dispositivos que majorem os requisitos para obtenção da imunidade, estão fadado a mais absoluta inconstitucionalidade, conforme Aliomar Baleeiro, “imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam.” (4)
4. EXTENSÃO DA IMUNIDADE
É de grande importância ressaltar que a imunidade tributária é indivisível, não admite fracionamento, o sujeito, em sentido lato, ou é imune em relação a determinado tributo ou suporta todos os seus encargos. Não existe possibilidade de uma Entidade ser parcialmente imune a um certo tributo.
Temos que a imunidade não alcança a todos os tributos, como muitos, pouco habituados a atuar neste área do direito, possam imaginar.
O artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, acompanhado pelo artigo 9º, IV “c” do CTN, diz que é vedado instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de assistência social.
Portanto, notório é que os tributos não-vinculados a uma contraprestação de serviço do ente público não atingem as Entidades de Assistência Social, concernente ao seu patrimônio, sua renda e serviços.
Por consequência, é dedusível que os tributos vinculados a um serviço disponibilizado pelo Estado e usufruído pelo contribuinte, como as taxas, possam incidir sobre as Entidades de Assistência Social. Neste mesmo sentido, tem-se que o Empréstimo Compulsório e as Contribuição de Melhorias são suscetíveis de cobrança perante a Entidades em estudo.
Outra espécie de tributo que mereceu a imunidade concedida pela Magna Carta vigente foram as Contribuições Sociais, nos termos do parágrafo 7º do artigo 195 que assim dispõe:
“§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistências social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
Visto que a imunidade tributária é mais limitadamente inerente aos impostos e as contribuições sociais não há que afastar deste estudo a análise sobre quais fatos, renda, patrimônio e serviços, o Poder Público é incompetente para tributar.
Traçaremos linhas gerais sobre os fatos elencados, porém destaca-se que em muitas vezes somente um aprofundado contato com a realidade da Entidade de Assistência Social e o fato causador da controvérsia, poderá provocar a emissão de um parecer mais definitivo sobre o caso, respeitando os princípios básicos destes auxiliares dos entes públicos.
A renda é todo o montante recebido pelas Entidades qualquer que seja seu título, sendo essa renda que sustentará a Instituição de Assistência Social, em toda a sua plenitude, desde o pagamento de empregados até as atividades em benefício da coletividade necessitada.
Sobre a renda, invariavelmente surge na doutrina, aplicadores do direito que questionam se a renda realmente em toda a sua plenitude é imune, como por exemplo, aquelas obtidas através de aplicações financeiras ou exploração de atividade mercantil.
Sobre o rendimento das aplicações financeiras nosso entendimento, em consonância com grande parte da doutrina e também da Jurisprudência, é de que a mesma efetivamente merece a imunidade, desde que a finalidade deste rendimento seja o desenvolvimento e manutenção das Entidades de Assistência Social.
Aliás, tal postura, indica o verdadeiro respeito dos dirigentes com as Entidades, uma vez que a aplicação impede a desvalorização do dinheiro e agrega um pouco mais (rendimento), o qual dentro do planejamento da Instituição será revertido em prol da coletividade assistida.
Nem mesmo o tempo prolongado é capaz de impedir o ato de poupar dinheiro, desde que haja um fim específico, tal como somar montante para construir uma creche.
O que não se pode admitir é conferir imunidade de rendimentos a vultosa soma de valores aplicados, enquanto a Entidade está prestes a abandonar sua atividade.
Inerente aos serviços discute-se também a viabilidade das Entidades de Assistência Social poderem atuar neste ramo. Frisando apenas, que muito deste item possui total vinculação com a imunidade a rendimentos.
Novamente entende-se que não há empecilho jurídico para tanto, desde que o produto obtido seja eficazmente convertido em benfeitorias para a Entidade. Atualmente é comum a exploração de serviços ou mesmo comércios como estacionamentos, venda de produtos em festas e quermesses, ou até a montagem de determinada linha de produção que culminará com a venda do bem trabalhado.
Outro fator preponderante a ser examinado, consiste em vedar que essa imunidade no serviço prestado resulte favorecimento excessivo à Entidade, que de tal forma essa provoque um desequilíbrio no setor e local explorado, ou seja, a atividade explorada não pode sufocar o desenvolvimento lucrativo das demais empresas que operam naquela mesmo nicho.
Somado a isso, deve ser fixado que para haver a imunidade, o patrimônio que suporte o imposto seja o da Entidade e não o do contribuinte em caráter indireto, desta forma, resta asseverar que o ICMS não faz parte dos impostos alcançados pela imunidade dos entes auxiliares da sociedade. Aproveita o momento para consignar que as Entidades de Assistência Social não são imunes a exação do IOF e do IPI, citando a título ilustrativo, por ambos não terem os fatos geradores arrolados na hipótese de imunidade descrita na Constituição Federal.
Retornando, em contrapartida, sob nossa ótica, não se justifica a imunidade quando a Instituição exerce esforço em determinado ramo comercial, porém não obtém lucro nessa atividade e em consequência não pode investir novos valores em sua atividade auxiliar, correndo os riscos comerciais ou até mesmo, para agravar, ver-se obrigada a sacar valores do caixa da Entidade para cobrir rombos em sua atividade comercial.
Sobre o patrimônio, temos que ele, respeitando as exceções, deve ser inteiramente protegido. Assim, mesmo aquele imóvel sem edificação e inexplorado não deve sofrer carga tributária, uma vez que se ainda não há uma atividade desenvolvida naquele espaço é porque a Entidade não teve condições de fazê-lo. A permanência do mesmo sob seu domínio indica o bom uso do dinheiro recebido e a inclinação para majoração de beneficiários dos seu serviços.
Obviamente também, esse patrimônio deva realmente se constituir em um bem que sedimente a Entidade de Assistência e/ou venha a ser parte de um projeto maior. Nada justificaria uma Entidade de auxílio a idosos, após realizar um grande bingo beneficente, adquirir três carros esportivos, importados e novos, e pretender se esquivar de pagar o IPVA. Lembra-se que o carro, principalmente o 0Km possui grande desvalorização, e ainda se torna impossível de justificar qualquer projeto assistencial tendo como parte inicial a aquisição de carros importados esportivos.
Convém situar a Jurisprudência neste universo da imunidade das Entidades de Assistência Social. As decisões reiteradas de nossos tribunais têm sido de maneira muito semelhante ao entendimento majoritário, analisando-se individualmente cada caso e fazendo ponderações que não obriguem as Entidades a uma maior rigidez do que aquela exigida pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional.
Desta forma, repisa-se que um estudo cuidadoso dos casos práticos é fundamental para a ideal orientação sobre o direito ou não ao gozo da imunidade tributária.
CONCLUSÃO
Por tudo quanto fora exposto creio que não se precisará discorrer longamente na conclusão para demarcar nossa opinião sobre o tema.
Em primeiro lugar, estamos convictos que o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal ao mencionar que as Entidades de Assistência Social para assim serem consideradas precisariam cumprir os requisitos da “lei”, estabelece que essa lei seja uma Lei Complementar.
Abstraímos essa posição através, principalmente, de uma interpretação sistemática da Constituição, eis que o artigo 146, II já trazia que as regulamentação ao poder tributar seria matéria de Lei Complementar.
Nesta linha desenvolvida, tem-se que atualmente em todo o ordenamento jurídico, apenas o Código Tributário Nacional, o qual fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como Lei Complementar, em seu artigo 14 traz os requisitos autorizados pela Lei Maior.
Em decorrência das idéias supras, consideramos como inconstitucionais as Leis nº 8.212/91 e 9.732/98 nas partes em que pretendem acrescentar novas exigências para a configuração de uma Entidade de Assistência Social.
Superada toda essa fase preambular sobre a imunidade tributária, temos um ponto de vista que alguns podem considerar um pouco tímido, eis que frisamos que em idéias gerais há a imunidade tributária referente a impostos e contribuições sociais quando da obtenção de renda, meio e fim, a que título for, serviço oneroso, exploração mercantil, aplicação financeira, etc., ocorrendo com a finalidade indubitável de ser implementada na atividade auxiliar à sociedade, sem esquecer da mesma qualidade atribuída ao patrimônio das instituições de assistência social.
Insistimos no termo linhas gerais porque um estudo aprofundado do caso particular pode revelar nuâncias que desvendem um ardil arquitetado para obtenção do benefício fiscal.
Esse foi o estudo que preparamos sobre a imunidade das Entidades de Assistência Social, não tendo a pretensão de ter esgotado o tema, mas sim fixar os pontos centrais e de maiores controvérsias.
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NOTAS
(1) NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
(2) FANUCCHI, IN: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao código tributário nacional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2002.
(3) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. In: MELLO, Celso André Ribas de. A imunidade e a espécie legislativa contida no art. 150, VI, c da Constituição – Lei Complementar ou Lei Ordinária ? Revista dialética de direito tributário. São Paulo: Dialética, nº 79: 24-34, 2002.
(4) BALEEIRO, Aliomar. In: CARRAZA, Roque Antônio. Empresas estatais(sociedades de economia mista e empresas públicas) delegatórias de serviços públicos ou atos de polícia – sua imunidade a impostos – exegese do art. 150, VI, a, da CF. Grandes questões atuais de direito tributário. [s.n.], nº 4: 217-238, [199-].