1. CASO GERADOR
É assunto cotidiano na imprensa o quão elevada se apresenta a carga tributária no Brasil. Nem tão corriqueiro assim são as discussões inerentes à repartição das receitas tributárias, as quais, em sua grande maioria, consistem em manifestações dos Estados e Municípios de que a União sufoca a população e as empresas com pesado fardo tributário, sem que, contudo, faça condignamente os devidos repasses aos Estados e Municípios.
Em âmbito regional, as maiores celeumas estão centradas na repartição, aos Municípios, da arrecadação tributária do ICMS. A Constituição Federal estabelece que 25% do produto arrecadado pelos Estados a título de ICMS pertencem aos Municípios, o qual será distribuído a razão de ¾ decorrentes da proporção do valor adicionado obtido por cada municipalidade e ¼ conforme dispuser a lei estadual.[1]
Uma das atividades econômicas que proporciona elevadas cifras de ICMS é a comercialização dos combustíveis e, neste sentido, é muito importante, para fins de cálculo do valor adicionado, a identificação das localidades em que há refinaria de petróleo ou base de distribuição. No caso específico do Estado de Goiás não há qualquer refinaria de petróleo inserida em suas divisas, porém há uma base de distribuição situada em Goialândia.
Esta base de distribuição é um estabelecimento da empresa Ouro Negro S.A, responsável por vender/distribuir o combustível em determinada região distante do local aonde efetivamente ocorre o refino do petróleo, ou seja, a base de distribuição atua como longa manus da unidade que produz o combustível, facilitando assim, o fornecimento às distribuidoras de combustível que por sua vez abastecerão os postos varejistas.
Na sistemática vigente, o Município que possua uma refinaria ou mesmo uma base de distribuição em seu território, não confundir com uma Distribuidora, terá um elevado valor adicionado, eis que recebe a transferência do combustível tendo como valor de entrada apenas o valor de custo da produção, enquanto que se procede a saída do mesmo com o acréscimo de todos os encargos tributários, os custos desta unidade de armazenagem e comercialização e, também, a margem de lucro da empresa.
O valor adicionado é justamente a diferença entre todas as entradas (compras) no Município, para fins de ICMS, e todas as saídas (vendas), assim a entrada do combustível com apenas o preço de produção e a saída constando todos os demais componentes de seu preço de venda acarreta uma diferença robusta de valor adicionado em prol do município que conta com a base de distribuição da refinaria, além do notório volume de vendas dos combustíveis.
Se por um lado este elevado valor adicionado satisfaz o Município, no caso de Goiás, Goialândia, por sua vez causa reclamações em praticamente todos os demais Municípios do Estado, eis que se um deles obtém fatia considerável do ICMS a ser repartido, ou fatia bem superior àquela auferida por outros Municípios do mesmo porte, certamente, haverá um suposto “detrimento” de todos os demais municípios do Estado, mesmo que tendo população equivalente ou superior.
Em Goiás, esta fixação de índices de participação de cada Município na arrecadação de ICMS, é formalizada mediante o Conselho Deliberativo dos Índices de Participação dos Municípios – Coíndice, órgão este que diante dos mandamentos constitucionais recebe os dados da Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás inerentes à arrecadação do ICMS e realiza os cálculos nos termos do artigo 158 da CF/88.
Nos últimos anos os debates inerentes aos dados e as fórmulas empregadas para encontrar o resultado de cada Município tem levantado polêmica em diversos aspectos e, um deles, é justamente o valor adicionado que o Município que hospeda a base de distribuição de combustível (estabelecimento da refinaria) apresenta.
Em razão dos questionamentos sobre os dados e sistemáticas empregadas resultarem em elevado valor agregado ao município de Goialândia, o próprio Governo Estadual e o Coíndice procuraram rever conceitos, não alterando, contudo, seus posicionamentos.
Não demorou a tardar para que a situação ganhasse contornos em sede de tributos federais, com a alegação de diversos Municípios de que o erro estaria na entrada do combustível em Goiás, cuja documentação fiscal revelaria um sub-faturamento, em razão de não constar os respectivos destaques de PIS/Pasep, Cofins e Cide-combustíveis, bem como, representar um valor muito inferior ao praticado quando da comercialização do combustível.
Fomentando esta nova vertente da discussão, a Receita Federal, via Superintendência Regional, emitiu Solução de Consulta sustentando que entre os dois estabelecimentos da empresa que processa o refino do petróleo, o contribuinte seria o produtor, ou seja, a unidade em que o petróleo sofre a intervenção industrial, afastando a sujeição passiva tributária da unidade que faz a comercialização do combustível.
Portanto, a Solução de Consulta fracionou, para fins de identificação do sujeito passivo, a pessoa jurídica Ouro Negro S.A em seus respectivos estabelecimentos, compreendendo que cada unidade deve ser considerada autonomamente para caracterização do fato jurídico tributário, com suas conseqüentes emissões de Nota Fiscal e recolhimentos de tributos.
Para tal conclusão, fez ainda o cotejo entre a atividade principal de cada estabelecimento da Ouro Negro descrita no CNAE – Cadastro Nacional de Atividades Econômicas junto a Receita Federal e os textos legais que dizem quem são os contribuintes da Cide-combustíveis, PIS/Pasep e Cofins.
Assim, o direito positivado fixa que os contribuintes destes três tributos são os produtores. A descrição da atividade principal do estabelecimento da Ouro Negro em São Paulo aponta que é a produção, enquanto que o estabelecimento de Goialândia declina que sua atividade principal é a distribuição e comercialização atacadista.
Neste cenário, a Solução de Consulta arrematou que a contribuinte dos 3 tributos seria a unidade produtora, localizada em São Paulo, o que ensejaria em elevação no valor de sua nota fiscal já que todos os encargos deveriam estar embutidos no documento fiscal de saída emitido pela Ouro Negro (entrada em Goialândia). Analisando sob o foco de Goialândia, tem-se que se o valor de entrada é majorado, a diferença entre a entrada e a saída (valor adicionado) será inferior ao que habitualmente é praticado, reduzindo, por conseguinte, sua fatia na repartição do ICMS.
Diante da auspiciosa Solução de Consulta, há uma agitação entre todos os Municípios do Estado de Goiás e este próprio, eis que se a Solução de Consulta da Receita Federal possuir base sólida, diversas situações juridicamente embaraçosas derivam da mesma, quais sejam:
- Descumprimento de obrigações acessórias por parte da Ouro Negro quando da transferência de produtos entre seus estabelecimentos, eis que estaria utilizando preço incorreto sem os devidos destaques tributários;
- Necessidade de devolução ou ajuste em anos futuros do montante que foi repassado ao Município de Goialândia, em razão do cálculo equivocado do índice da repartição do ICMS;
- Possibilidade de todos os demais Municípios exigirem repasse complementar ou ajuste em exercícios futuros de valores recebidos a menor em anos pretéritos, tendo em vista que a redução do índice de um Município provoca a majoração das outras municipalidades;
- Responsabilização civil do Estado de Goiás pelos prejuízos causados a todos os demais municípios que durantes anos perderam receitas em decorrência da inépcia na fiscalização dos atos relativos à entrada e à saída de mercadorias, os quais resultam no valor adicionado de cada Município e, por conseguinte, no índice de rateio do ICMS; e,
- Responsabilização civil da Ouro Negro pelos prejuízos causados a todos os demais municípios que durantes anos perderam receitas em decorrência do incorreto cumprimento de obrigação acessória;
Este é o caso que se analisará procurando identificar os conceitos jurídicos que integram as fundamentações jurídicas de cada um dos envolvidos e, principalmente, visando concordar ou discordar da Solução de Consulta expedida pela Receita Federal para que, finalmente, os cinco pontos destacados como eventuais conseqüências da Solução de Consulta possam ser caracterizadas como viáveis ou não.
2. DESENVOLVIMENTO
A questão posta se reveste de complexidade, não somente pelos contornos jurídico-tributários, mas também pela própria questão política que cerca qualquer tema que interfira no repasse de valores de um Estado aos Municípios que o integram.
Revela-se de grande utilidade encontrar os pontos centrais da celeuma instaurada, para que o estudo não se perca em devaneios hipotéticos e distantes da realidade dos fatos examinados e, neste sentido, a fragmentação dos temas a serem analisados propiciará uma melhor compreensão dos elementos fundamentais para ideal resolução do Caso Gerador.
2.1 Contribuinte é a empresa e não cada uma das suas unidades/estabelecimentos
O cerne da questão é que a Solução de Consulta considerou, para fins tributários, cada um dos estabelecimentos da empresa que realiza o refino e comercialização do petróleo isoladamente, como se cada uma delas fosse uma empresa diversa, enquanto que a empresa Ouro Negro S.A é uma só. Ela possui diversas unidades, como as situadas no Rio de Janeiro-RJ, em Curitiba-PR, Jacareí-SP, Campinas-SP, Goialândia-GO, entre outras, mas a pessoa jurídica que extrai petróleo, processa o refino, comercializa, que amarga prejuízo, que ostenta lucro, que suporta os tributos é uma só.
Houve uma confusão entre o que é uma filial ou uma unidade e o que é uma empresa/pessoa jurídica, refletindo tal pensamento na incorreta identificação do contribuinte tributário.
A empresa e, por conseguinte, a contribuinte, é a Ouro Negro S.A, sendo irrelevante por qual estabelecimento, se matriz ou filial, é praticada a hipótese de incidência tributária.
Não discrepa deste pensamento a doutrina, apregoando que:
Em relação a cada um dos seus estabelecimentos, a sociedade empresária exerce os mesmos direitos, sendo irrelevante a distinção entre sede e filiais, para o direito comercial…A distinção, por conseguinte, entre as duas espécies de estabelecimento do mesmo empresário (sede ou filial), abstraídos os aspectos pertinentes à competência judicial, não apresenta maiores desdobramentos para o direito (Ferreira, 1962, 6:30/42)[2]
Sobre a individualização de cada unidade ou estabelecimento de determinada empresa há posicionamento da doutrina no seguinte sentido “É tese majoritária que o estabelecimento não é sujeito de direitos e não tem personalidade jurídica.”[3]
Importante apresentar a orientação de Fábio Ulhoa Coelho:
Considerar o estabelecimento empresarial uma pessoa jurídica é errado, segundo o disposto na legislação brasileira. Sujeito de direito é a sociedade empresária, que, reunindo os bens necessários ou úteis ao desenvolvimento da empresa organiza um complexo com características dinâmicas próprias. A ela e não ao estabelecimento empresarial, imputam-se as obrigações e asseguram-se os direitos relacionados com a empresa.[4] (grifo nosso)
Neste diapasão, em rara oportunidade Tavares Borba ensina:
(…) agências, lojas, fábricas, escritórios, sucursais, filiais são palavras que integram a vasta nomenclatura com que se designa o estabelecimento. A matriz ou sede é o estabelecimento principal. (…) Convém deixar bem clara a distinção existente entre estabelecimento e subsidiária. O estabelecimento é parte, parcela, unidade de ação de sociedade; a subsidiária não integra a sociedade, visto ser uma outra sociedade, da qual participa. Exemplificando: a Refinaria Duque de Caxias é um estabelecimento da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS, enquanto a Petrobras Distribuidora S.A. é uma subsidiária. A refinaria é, portanto, uma unidade da PETROBRAS, não tendo personalidade jurídica. A Distribuidora, embora controlada pela PETROBRAS, é uma outra pessoa jurídica, daí decorrendo a sua condição de sujeito de direito.[5] (grifo não é do original)
Obviamente, cada uma das unidades possui os seus livros fiscais, os seus registros contábeis, porém, certo é que o pagamento do tributo é suportado pela empresa como um todo. Ou será que uma empresa possui lucro na sua unidade “X”, prejuízo na “Y” ? E um não possui relação com o outro ? Obviamente que não é isso. A empresa faz a consolidação dos seus números e chega ao final do mês ou trimestre e faz o recolhimento do Imposto de Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, do Pis, da Cofins e assim por diante.
A análise individual de lucratividade ou produtividade de uma filial é questão de controle interno de uma empresa, ao Fisco Federal ou Estadual importa o resultado consolidado do contribuinte.
O momento se revela oportuno para a lição de José Eduardo Soares de Melo, apud Paulo de Barros Carvalho:
…que por defluência do princípio da autonomia do estabelecimento, adquire este capacidade para realizar o fato imponível, nunca para ser sujeito passivo da obrigação tributária. O nivelamento legal se arma para credenciá-lo a promover a concretização do fato tributário, não para fazê-lo cumprir a prestação pecuniária, em próprio nome, o que seria impossível juridicamente, visto que o estabelecimento filial, por exemplo, não tem individualmente considerado, personalidade consagrada pelas regras do Direito Privado.[6] (grifo nosso)
Hugo de Brito Machado fez análise da posição consolidada no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça concluindo que “A jurisprudência, no STJ e no STF, tem-se manifestado no sentido de que o estabelecimento não pode ser considerado contribuinte autonomamente, pois contribuinte é a pessoa jurídica.”[7]
Em aresto de singular precisão ao caso em questão o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ponderou:
…porquanto o fato de exercer a ré suas atividades em diversas localidades de nosso país através de suas filiais, a pessoa jurídica constitui uma só. Em outras palavras, o fato da sede da empresa estar localizada naquele Estado, mas exercendo a apelante atividades comerciais em outras unidades da federação através de suas agências ou filiais, não lhe desdobra a personalidade… (Apelação Cível com Revisão nº 041.646-4/2, Seção de Direito Privado 7ª Câmara B.C. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)
Então, quando se está grafado no artigo 2º das Leis n.º 10.336/2001 e n.º 9.718/98 que os contribuintes são os produtores, não está a lei fazendo menção a qual é a unidade “X” ou “y” da empresa que efetivamente produz a mercadoria, mas sim está a lei dizendo que a Empresa “Z”, produtora do combustível é quem suportará com a Cide-combustíveis e com o PIS/Pasep e a Cofins, não importando se é o seu estabelecimento situado em São Paulo-SP que produz e a unidade que comercializa é a base de Goialânia-GO.
Isto é irrelevante para fins de identificação do contribuinte, pois o contribuinte é o mesmo, aliás, é um só, sendo relevante o momento em que há a materialização da descrição da obrigação tributária para se apontar quando os documentos fiscais deverão fazer as devidas incidências e destaques dos tributos.
Este momento é quando a filial de Goialândia comercializa o combustível com as Distribuidoras, venda esta que possibilitará o faturamento, preenchendo, finalmente, a regra-matriz da incidência tributária da Cide-combustíveis, do PIS/Pasep e da Cofins.
Cediço que o ICMS e IPI são exceções a regra, vez que recolhidos autonomamente por cada unidade, em que pese haverem disposições legais, tanto nacional como estadual que culminam por referendar a regra geral ao expor que “respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular” (Lei Complementar 87/96, artigo 11, parágrafo 3º, inciso IV e RCTE/GO artigos 24 e 25)[8] e “os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado” (Lei Complementar 87/96, artigo 25 e RCTE/GO artigo 56-A caput e parágrafo 1º)[9].(Grifos não são do original)
Patente que apesar da individualidade quanto a apuração, o contribuinte, o sujeito passivo, o devedor é apenas um, qual seja, a empresa/pessoa jurídica independente de qual ou quantos estabelecimentos possua.
A análise da legislação tributária como um todo permite a constatação de que o contribuinte é a empresa, a pessoa jurídica de direitos e obrigações, independente de ter um ou muitos estabelecimentos. Colaciona-se o artigo 34 do RCTE/GO ilustrando:
Art. 34. Contribuinte é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação, ainda que a operação e a prestação se iniciem no exterior (Lei nº 11.651/91, art. 44). (grifo não é do original)
A contrario sensu resta cristalino que o contribuinte não é o estabelecimento, a filial, a unidade “X” ou “Y”, o contribuinte é a pessoa jurídica.
Respeitando toda a inteligência do sistema tributário vigente, a Lei n.º 9.779/99 apontou:
Art. 15. Serão efetuados, de forma centralizada, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica:
I- o recolhimento do imposto de renda retido na fonte sobre quaisquer rendimentos;
II- a apuração do crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI de que trata a Lei no 9.363, de 13 de dezembro de 1996;
III- a apuração e o pagamento das contribuições para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servido Público – PIS/PASEP e para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS;
IV- a apresentação das declarações de débitos e créditos de tributos e contribuições federais e as declarações de informações, observadas normas estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal. (grifo nosso)
Este foi mais um robusto elemento a demonstrar de forma cabal que não são os estabelecimentos os sujeitos passivos do débito tributário, mas sim, aqueles, que sendo partes de uma própria empresa executarão atos que se enquadrarão como fatos jurídicos tributários. A legislação tributária, de forma geral, não diz que o contribuinte é o estabelecimento, a unidade ou a filial, mas sim que o contribuinte é a empresa, a pessoa jurídica.
Dando azo ao parágrafo anterior tem-se que o Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/99) expõe que:
Art. 146. São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27):
I- as pessoas jurídicas (Capítulo I);
II- as empresas individuais (Capítulo II).
Art. 147. Consideram-se pessoas jurídicas, para efeito do disposto no inciso I do artigo anterior:
I- as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, sejam quais forem seus fins, nacionalidade ou participantes no capital (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27, Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, art. 42, e Lei nº 6.264, de 1975, art. 1º);
II- as filiais, sucursais, agências ou representações no País das pessoas jurídicas com sede no exterior (Lei nº 3.470, de 1958, art. 76, Lei nº 4.131, de 1962, art. 42, e Lei nº 6.264, de 1975, art. 1º);
III- os comitentes domiciliados no exterior, quanto aos resultados das operações realizadas por seus mandatários ou comissários no País (Lei nº 3.470, de 1958, art. 76)
Percebe-se uma vez mais que se as filiais fossem contribuintes autônomos dos tributos, o inciso II do artigo 147 (RIR/99) não seria apenas para empresas estrangeiras. Ou mesmo o inciso I do artigo 146 (RIR/99) não diria que os contribuintes são as pessoas jurídicas, mas sim declinaria que os estabelecimentos, unidades, filiais, etc. são os sujeitos passivos.
Provoca surpresa o teor da Solução de Consulta em análise, vez que em sentido oposto a esfera contenciosa do Ministério da Fazenda, representada pelo Segundo Conselho de Contribuintes assim decidiu, quanto a Cofins, porém com ensinamentos que extrapolam tal contribuição:
É, portanto, contribuinte da Cofins a pessoa jurídica e não sua matriz isoladamente ou cada filial. A expressão “pessoa jurídica”, conforme definição formulada por De Plácido e Silva, ‘é empregada para designar instituições, corporações, associações e sociedades, que, por força ou determinação de lei, se personalizam, tomam individualmente própria, para constituir uma entidade jurídica, distinta das pessoas que forma ou compõem’ (Vocabulário Jurídico, 16ª edição, Editora Forense). Em suma, é aquela com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações.
Logo, a pessoa jurídica, que possui capacidade e personalidade, é única, e, portanto, todos os seus estabelecimentos fazem parte dela, não sendo possível a sua partição.
De rigor observar que a escrituração fiscal dos estabelecimentos da pessoa jurídica serve para concretizar operações e facilitar o controle e administração do imposto por parte do Fisco, não podendo, dessa forma, firmar obrigações jurídicas independentes, na medida em que não possuem capacidade para tal.
O jurista Paulo de Barros Carvalho, na tese “Regra Matriz”, apresentada para obtenção do Título de Livre Docente da Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, página 402, sustentou: ‘…o estabelecimento filial, por exemplo, não tem, individualmente considerado, personalidade consagrada pelas regras do Direito Privado.’[10]
Nota-se que a doutrina instalada, bem como, os raros julgados, quer administrativo ou judicial, que tratem sobre o tema indicam uma tendência diversa daquela perseguida na Solução de Consulta.
2.2 Irrelevância da classificação das atividades e econômicas e importância do objeto social da empresa
Analisando sob o outro enfoque há o fato de que o estatuto social da Ouro Negro traz como objeto social diversas atividades, com destaque para o refino, comércio e a distribuição de petróleo e seus derivados. Certo está que a Ouro Negro pode realizar todas as atividades pontadas em seu estatuto social. Qual ou quais unidades executarão cada uma ou várias das tarefas acima, é novamente questão de organização interna e, mutatis mutantis, indiferente ao Fisco Federal e Estadual, desde que os tributos correspondentes sejam devidamente declarados e recolhidos.
Inegável também que uma série de outras medidas inerentes a Administração Pública precisam ser satisfeitas como alvarás de funcionamento, zoneamento urbano, licenças ambientais, o que, contudo, foge da análise tributária que se discute neste artigo.
Nesta toada, a empresa optou por fixar uma unidade em Goialândia cuja atividade principal é o comércio de combustível, porém isto não descaracteriza que a empresa seja uma refinaria de petróleo e nem traz como conseqüência uma “cisão” para fins de recolhimento tributário, como atabalhoadamente se precipitam Municípios interessados e a própria Receita Federal.
Inclusive isto vem a contrariar as assertivas da Receita Federal, eis que, se a atividade principal do estabelecimento de Goialândia é o comércio, notório está que somente após atuação da unidade de Goialândia é possível se falar em subsunção do fato a hipótese de incidência da Cide-combustíveis, do PIS/Pasep e da Cofins, qual seja, a comercialização e o faturamento.
Os interessados procuram focar a atividade principal no CNAE, como se tal nomenclatura fosse o aspecto definidor do contribuinte de alguns tributos, contornando juridicamente conceitos para asseverar que somente o estabelecimento que possui como atividade principal o refino de petróleo possa ser o sujeito passivo de tributos que apontam como contribuintes os “produtores de combustível derivados de petróleo”.
Insiste-se, a contribuinte é uma só, sendo que esta empresa possui vários estabelecimentos. O sujeito passivo dos tributos discutidos não é a unidade de Goialândia ou São Paulo, mas sim a empresa Ouro Negro S.A, sendo importante identificar, e será feito mais a frente, o momento em que se pratica a hipótese legal para que os devidos registros contábeis e fiscais sejam feitos, incluindo aqui, o local de sua ocorrência.
Em um cartão de CNPJ qualquer, percebe-se que se está grafado “código e descrição da atividade econômica principal”, portanto, o CNAE não se refere ao cadastro de todas as atividades realizadas por uma empresa via de suas unidades, tanto que no campo abaixo consta “código e descrição das atividades econômicas secundárias” assumindo que o estabelecimento pode realizar outras atividades que não aquelas descritas na atividade principal e, de certa forma, também não inseridas no campo de atividades secundárias.
Data venia, os Municípios e a Receita Federal não podem pretender que o CNAE ao descriminar a atividade principal de um determinado estabelecimento vincule tal descrição ao surgimento da obrigação tributária, mais precisamente quanto ao sujeito passivo.
Se determinada empresa procurando se safar do ICMS relaciona que pratica prestações de serviço e uma fiscalização constata que na verdade há uma comercialização, está o Fisco, in casu estadual, impedido de proceder qualquer autuação, haja vista que a empresa possui como atividade cadastral a prestação de serviços ? Obviamente que não.
Cediço que os princípios norteadores do Direito Tributário, e aqui em especial o da legalidade, apontam que, praticado o fato jurídico previamente designado em lei como hipótese hábil ao nascimento da obrigação/crédito tributário, irrelevante o nome da operação, do contrato, o cadastro das partes, etc.
Feitas estas considerações é indubitável a tendência de inexistência de meios a se fazer prosperar a pretensão dos Municípios do Estado de Goiás, ancorada em Solução de Consulta da Superintendência da Receita Federal.
2.3 Do momento de subsunção do fato à norma – Regra-matriz de incidência tributária
Em que pese os argumentos desenvolvidos nos tópicos anteriores (itens 2.1 e 2.2) serem suficientes para desqualificar as pretensões dos Municípios, se mostra adequado que se demonstre a sustentação jurídico-tributária de tais considerações, fazendo para tanto a devida análise das hipóteses de incidência tributária relevantes para o caso e servindo de contraponto ao desconexo raciocínio da Solução de Consulta.
Dentre tantos estudos desenvolvidos para identificação da origem da obrigação tributária e seus sujeitos, bem como a apuração do quantum devido, uma das mais utilizadas e conceituadas é o do Professor Paulo de Barros Carvalho, a qual recebeu a nomenclatura de regra-matriz de incidência tributária.
Um dos vértices principais deste feito é a identificação do momento exato em que há a subsunção do fato à norma prévia. Sobre este instante jurídico assim expôs o renomado doutrinador:
O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estreito ou regra-matriz de incidência tributária. Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se, automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual a sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.
(…)
Para que seja tido como fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real, descrito no suposto da norma individual e concreta expedida pelo órgão competente, tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na hipótese da norma geral e abstrata. Que apenas um não seja reconhecido, e a dinâmica que descreveremos ficará inteiramente comprometida.[11] (grifo nosso)
No mesmo diapasão apresenta-se Alfredo Augusto Becker:
Entretanto, a hipótese de incidência somente se realiza quando se realizaram (aconteceram e, pois, existem) todos os elementos que a compõem. Basta faltar um único elemento para que a hipótese de incidência continue não realizada; e enquanto não se realizar este último elemento, não ocorrerá a incidência da regra jurídica.[12]
Não se justifica alongar o raciocínio sobre o aspecto teórico do desenvolvimento da regra-matriz de incidência, porém é válido demonstrar sua aplicação específica ao presente caso, identificando o exato momento em que ocorre o fato jurídico tributário, mediante a identificação dos critérios material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo e, por via oposta, afastar o equivocado momento que a Solução de Consulta e os Municípios pretendem pontificar.
Principiando pela Cide-combustíveis, logo no artigo 1º da Lei n.º 10.336/2001 resta cristalino o critério material relevante para este caso, qual seja, a comercialização de petróleo e seus derivados.
Art. 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. (grifo não é do original)
Patente que a transferência de mercadoria de estabelecimentos da mesma contribuinte não está abarcada na hipótese ensaiada no dispositivo legal retro. Ressaltando que o elemento material não é a descrição objetiva do fato, a descrição é a própria hipótese de incidência, mas sim (o elemento material) se consubstancia no comportamento que será praticado pela pessoa jurídica ou natural, sendo porquanto, parte da descrição objetiva do fato.
A doutrina assim pondera sobre o critério material:
O ‘critério material’ é considerado o núcleo da hipótese tributária, por se tratar, nas palavras de Marçal Justen Filho, da ‘abstração de uma ação ou de um estado de fato, que retrata, em última análise, uma conduta (entendida em sentido amplo) de uma pessoa’, de modo que nele, ensina José Roberto Vieira, ‘teremos invariavelmente comportamento de pessoas, expresso por um verbo pessoal e transitivo, cuja predicação é incompleta e por isso pede um complemento, seja objeto direto ou indireto’.[13]
Sobre o critério espacial que é aquele que delimita o território de abrangência da norma, tem-se que notoriamente a Cide-combustíveis é aplicável em todo o território nacional, conforme autorização constitucional no artigo 177, § 4º e como comprova a Lei Federal n.º 10.336/2001.
Inerente ao aspecto pessoal, com base na inteligência do sistema tributário nacional é indiscutível que o sujeito ativo da Cide-combustíveis é a União. Quanto ao sujeito passivo o artigo 2º da Lei n.º 10.336/2001 expõe que “são contribuintes da Cide o produtor, o formulador e o importador, pessoa física ou jurídica, dos combustíveis líquidos relacionados no art. 3º”.
Visto alhures que o produtor referido não pode ser interpretado como o estabelecimento produtor, mas sim a empresa deve ser reconhecida como a contribuinte produtora, o qual se resume na Ouro Negro S.A , independente de qual unidade sua esteja envolvida.
Quanto ao aspecto temporal, o legislador diante de sua atecnia, a qual muitas vezes é criticada pela doutrina, trouxe sob denominação de “fato gerador” o momento, o átimo em que se é possível efetivamente apontar que todos os requisitos legais foram atendidos para a configuração da obrigação tributária. Tal evento ocorreu no artigo 3º[14] da Lei n.º 10.336/2001.
Sobre este instante jurídico, expõe Paulo de Barros Carvalho “…ao compasso em que os integrantes do critério temporal determinam o exato minuto ao qual se reportam os efeitos da obrigação tributária.”[15]
Trazendo para o caso em concreto, o fato jurídico ocorre quando a Ouro Negro, via sua unidade em Goialândia, entrega o combustível e a nota fiscal à Distribuidora. Aqui há o surgimento da obrigação tributária. Impossível dizer que este átimo se dá em São Paulo, eis que naquela unidade não ocorre a entrega do combustível a terceiros e a emissão do documento que suporta tal transação. Na unidade de São Paulo há uma simples transferência do produto, acobertada pela específica nota fiscal, o que por tudo quanto já exposto, não se pode equiparar esta movimentação de estoque (transferência) como uma venda e como um faturamento.
Neste ponto, flagra-se uma incoerência na Solução de Consulta e na interpretação dos Municípios, vez que se os mesmos asseveram que a produtora é a Ouro Negro de São Paulo com supedâneo art.2º da Lei n.º 10.336/2001, todavia, se depararam logo no art. 3º com a situação de que o fato “gerador” é a comercialização. Ora, inverossímil se apontar que a Ouro Negro de (unidade) São Paulo comercializa com a Ouro Negro (unidade) de Goialândia. Chegaria-se ao paradoxo de dizer que a Ouro Negro não seria, pelas operações examinadas, devedora da Cide-Combustíveis, vez que nenhuma de suas unidades pratica o exato fato imponível descrito na legislação, eis que a unidade de São Paulo produz mas não vende, enquanto que a de Goialânia apesar de vender não é a produtora.
Obviamente, que um estudo um pouco mais avançado da tese defendida pelos Municípios não encontra amparo jurídico no passo seguinte, conforme visto no parágrafo pretérito.
Irrelevante para a controvérsia que se discorra sobre a base de cálculo e a alíquota (critério quantitativo) da Cide-combustíveis, eis que a mesma possui um valor fixo para cada unidade de combustível, irrelevante o preço de venda, da realização ou de custo.
Demonstrado está que não se pode conferir credibilidade à argumentação dos Municípios, tampouco à temerária Solução de Consulta da Receita Federal, vez que o ato praticado pela unidade da Ouro Negro em São Paulo não preenche o aspecto material e temporal descrito na hipótese de incidência tributária.
Passa-se a analisar a Cofins, aproveitando os breves conceitos introduzidos quanto aos cinco critérios da regra-matriz de incidência tributária.
O elemento material da Cofins é localizado no artigo 195, I, “b” da Constituição Federal[16] e também mediante a inteligência da Lei Complementar n.º 70/91[17] e Lei n.º 9718/98, em seu artigo 2º que reza que “As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.”, então consistindo-o no faturamento da empresa.
Convém ressalvar que o conceito de faturamento não pode ser aplicado em seu senso literal (emitir o documento denominado de fatura), carecendo da devida exegese para visualizá-lo como a obtenção de receita.
Sobre o aspecto temporal, ou seja, a definição do exato momento em que consumado determinado ato haverá a subsunção do fato à norma, tem-se que o mesmo é a conseqüência do direito ao crédito (efetivação da circulação física e jurídica da mercadoria com a entrega do combustível acobertado pelo hábil documento fiscal), ou seja, é o efetivo recebimento do valor ajustado, ressalvando respeitáveis entendimentos que visualizam como mensal o aspecto temporal, ou seja, no último dia do mês a contribuinte identifica todo o seu faturamento para se apurar o tributo. Contudo, independente da teoria que se adote, somente se torna possível mencionar em faturamento diante da operação praticada no estabelecimento de Goialândia, jamais em decorrência da singela transferência encabeçada pela unidade de São Paulo.
Também cediço que a Cofins é uma contribuição federal, exigível em todo o território nacional (critério espacial) e possuindo como sujeito ativo a União (uma segmentação do aspecto pessoal).
Sendo o sujeito passivo (a outra segmentação do aspecto pessoal) a empresa que obtém (realiza) o faturamento, obviamente somente a empresa que efetiva, in casu, a venda do combustível pode se caracterizar nesta condição, resumindo-se novamente tal empresa na Ouro Negro S.A e, conforme exaustivamente visto neste trabalho, não podendo se confundir a contribuinte com seus diversos estabelecimentos.
Emoldura-se, por conseguinte, que a Ouro Negro praticou o fato imponível quando efetivamente recebeu pelo produto, ou seja, no ato da entrega da mercadoria procedeu a devida emissão e entrega da nota fiscal ao comprador, com os encargos tributários inseridos em seu preço de venda, vindo finalmente a possibilitar o pagamento (auferir receita), destacando que este evento ocorre em razão da comercialização praticada na unidade de Goialândia, não sendo razoável pretender que haja o faturamento em decorrência da conduta em São Paulo, eis que naquela localidade houve apenas uma transferência de produtos entre dois estabelecimentos da mesma contribuinte, faltando um requisito basilar para consecução do faturamento, qual seja, a entrega onerosa de mercadoria a terceiro (comprador). Ou será que a Ouro Negro de Goialândia efetuou uma transação bancária a crédito da Ouro Negro de São Paulo pelo pagamento da transferência de combustível ?
É óbvio que não há qualquer pagamento, sendo impossível exigir os efeitos tributários decorrentes do faturamento se não houve qualquer transmissão jurídica de dinheiro em favor da unidade de São Paulo.
O próprio aspecto quantitativo da Cofins referenda a tese exposta, eis que a base de cálculo do tributo em comento é o valor do faturamento, ou seja, o preço de venda pago, vindo a alíquota a incidir percentualmente sobre tal montante, resultando no valor a recolher por esta contribuição social. Assim, como se apurar o quantum no momento da transferência de São Paulo para Goialândia se a operação era uma singela transferência de estabelecimentos, não havendo um valor de venda, um valor a ser saldado, impossível também dizer que se está defronte da base de cálculo da Cofins.
Percebe-se mais uma vez o equívoco dos Municípios eis que insistem que a base Goialândia não é produtora, porém se esquece de que partição da Ouro Negro ensejará no fato de que a filial de São Paulo não fatura, ou seja, novamente nenhuma das duas seria sujeito passivo da Cofins, “nascendo” um crédito a Ouro Negro por todo o período não caduco em que recolheu a Cofins quando da operação aqui detalhada.
É temerário os termos da Solução de Consulta, eis que por via oblíqua atesta o contexto tributário desenvolvido acima, o qual certamente não é correto, porém auxilia a demonstrar a fragilidade da manifestação da Receita Federal.
Resta mais uma vez afastada a inovadora tese guerreada pelos Municípios, e equivocadamente sustentada pela SRF, eis que sugere que a Cofins seria um custo da transferência, desconsiderando completamente a hipótese de incidência tributária, mais precisamente em seu aspecto material que desconhece os efeitos tributários da transferência da mercadoria.
Quanto ao PIS/Pasep há pouca diferença quando comparada com a fundamentação utilizada na Cofins.
O elemento material do PIS/Pasep é auferir receita decorrente da venda por parte da pessoa jurídica, “enfim, abstraindo-se as coordenadas de espaço e de tempo, outro não pode ser o ‘critério material’ da hipótese do tributo em tela que não o faturamento.’”[18], nos termos do artigo 3º “b”[19] da Lei Complementar n.º 07/70 e artigo 4º da Lei n.º 9.718/98, o qual se reproduz:
Art. 4o As contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS devidas pelos produtores e importadores de derivados de petróleo serão calculadas, respectivamente, com base nas seguintes alíquotas: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)
I – 5,08% (cinco inteiros e oito centésimos por cento) e 23,44% (vinte inteiros e quarenta e quatro centésimos por cento), incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de gasolinas e suas correntes, exceto gasolina de aviação; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004) (Vide Lei nº 11.051, de 2004)
II – 4,21% (quatro inteiros e vinte e um centésimos por cento) e 19,42% (dezenove inteiros e quarenta e dois centésimos por cento), incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de óleo diesel e suas correntes; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004) (Vide Lei nº 11.051, de 2004)
III – 10,2% (dez inteiros e dois décimos por cento) e 47,4% (quarenta e sete inteiros e quatro décimos por cento) incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de gás liquefeito de petróleo – GLP derivado de petróleo e de gás natural; (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) (Vide Lei nº 11.051, de 2004)
IV – sessenta e cinco centésimos por cento e três por cento incidentes sobre a receita bruta decorrente das demais atividades. (grifo não é do original)
Flagrante que se não houver uma venda de produto, não há como se falar em auferir receita, sendo óbvio que a transferência de combustível entre unidades de uma mesma pessoa jurídica não gera a obtenção de qualquer receita e, por conseguinte, não configurado o aspecto material da hipótese de incidência do PIS/Pasep, afastando a subsunção do fato à norma.
O elemento temporal do Pis, como o da Cofins, é o momento em que a empresa recebe a importância (receita) referente à mercadoria que foi ou está sendo entregue ao comprador. Efetivado o crédito bancário ou entregue o numerário pactuado ao vendedor, Ouro Negro, se está diante de um fato jurídico tributário. Novamente ressalvando entendimentos que identificam o fato jurídico tributário somente no último dia de cada mês, considerando o conjunto dos créditos/pagamentos efetivados como a receita do mês, o que, contudo, não provoca alterações nas vertentes aqui abordados.
Certamente que o aspecto temporal é mais um que não ampara a pretensão dos Municípios, eis que a obtenção da receita por parte da Ouro Negro não ocorreu como conseqüência da transferência praticada pela unidade de São Paulo a Goialândia, mas sim, como conseqüência da entrega da mercadoria.
O critério espacial é facilmente identificado como todo o território nacional.
Melhor sorte aos Municípios não confere o aspecto pessoal, eis que o sujeito passivo, novamente, não é o estabelecimento em si, mas sim o ente jurídico, a empresa como um todo. A redação dos já mencionados artigos reza que o contribuinte é a empresa produtora, ou seja, a Ouro Negro. Não é contribuinte a sua unidade daqui ou acolá, elas podem praticar o fato jurídico tributário, mas o contribuinte é a pessoa jurídica.
Dando azo a assertiva do parágrafo anterior, a Lei Complementar n.º 07/70 que institui o Programa de Integração Social encerra se reportando a legislação do imposto de renda, já vista neste trabalho:
Art. 1.º – É instituído, na forma prevista nesta Lei, o Programa de Integração Social, destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas.
§ 1º – Para os fins desta Lei, entende-se por empresa a pessoa jurídica, nos termos da legislação do Imposto de Renda, e por empregado todo aquele assim definido pela Legislação Trabalhista. (grifo nosso)
Insistir que a unidade de São Paulo é uma contribuinte autônoma provocará uma hecatombe tributária, pois se a unidade de São Paulo não comercializa, neste caso específico de transferência a outro estabelecimento, e, por conseqüência, não aufere receita decorrente de sua venda, também não há como se falar em subsunção do fato à norma.
Igualmente a Cofins, o próprio aspecto quantitativo do PIS /Pasep ratifica a inviabilidade da pretensão dos Municípios, eis que a base de cálculo do tributo em comento é a receita decorrente da comercialização, ou seja, o preço de venda, vindo a alíquota a incidir percentualmente sobre tal montante, resultando no valor a recolher por este tributo. Posto isto, se indaga a exaustão, como se apurar o quantum no momento da transferência do combustível de São Paulo para Goialândia se a operação era uma singela transferência entre estabelecimentos da mesma contribuinte, não havendo como se apontar um valor de venda, um faturamento e, por conseqüência, não vindo a unidade de São Paulo a auferir receita, o que induz a impossibilidade de reconhecer no preço de transferência como a base de cálculo do PIS/Pasep.
Visto então que a conduta da Ouro Negro em transferir combustível de uma unidade para outra não preenche diversos critérios que compõem a estrutura da regra-matriz de incidência tributária da Cide-combustíveis, PIS/Pasep e Cofins, não há como se sustentar que a subsunção do fato à norma teria ocorrido com a saída do combustível da unidade de São Paulo.
Neste sentido convém relembrar que a Ouro Negro não poderia emitir documento fiscal em discordância com a operação que estava sendo praticada entre suas unidades, bem como, não poderia contábil e fiscalmente formalizar a comercialização praticada pela unidade de Goialândia de forma diversa, conforme a legislação[20] estipula, eis que os artigos 113, §1º[21] e 114[22] do CTN, em que pese os questionamentos da utilização do termo “fato gerador”, são cristalinos quanto a necessidade da plena materialização da hipótese legal para que o fato seja considerado jurídico tributário.
Também falece de fundamentação legal a Solução de Consulta examinada ao desvirtuar conceito de direito privado, eis que pretende transmutar uma simples transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte para uma comercialização (operação apta a gerar faturamento e auferimento de receita), sendo que se o artigo 110[23] do CTN expressamente veda tal possibilidade à legislação tributária, o que se dirá de um ato administrativo.
A regra-matriz de incidência também pode ser analisada sobre o aspecto de que a sua observância faz com que haja o respeito ao princípio da legalidade, esculpido na Constituição Federal em seu artigo 150, I, (exigir tributo sem lei que o estabeleça)