POR FABIANO DOS REIS TAINO
INTRODUÇÃO
A Responsabilidade Civil é um instituto multidisciplinar em flagrante evolução contemporânea no direito e alvo de constantes mutações, sendo por certo, uma das temáticas mais controversas do Direito, presente em todas as disciplinas jurídicas, como também dominando amplamente todos os atos da vida humana, eis que conseqüência natural das relações sociais.
A Responsabilidade Civil no Brasil vem tendo o seu âmbito de atuação expandido sistematicamente, quer na doutrina ou jurisprudência, como, mais especificamente, no próprio Direito Positivo, o qual majora aqueles que podem ser considerados como responsáveis, bem como, as suas hipóteses e vítimas, atenuando as condicionantes para que seja reconhecida a obrigação de indenizar.
Fruto deste notório alargamento pode-se mencionar a Constituição Federal promulgada em 1988, o Código de Defesa do Consumidor de 1990 e o Código Civil de 2002.
Dentro do contexto expansionista da responsabilidade, se destaca o crescimento de situações abarcadas pela responsabilidade objetiva, ou seja, aquelas a qual independe de culpa, bastando, em regra, para sua caracterização o dano, a conduta do ofensor e o nexo de causalidade entre ambas.
Paralelamente, as relações empresariais também vieram de crescente ampliação, desde a Revolução Industrial até a atual Era Digital, com avanço chegando em todos os setores, multiplicando em escala geométrica as profissões, causando a necessidade de especialização dos indivíduos de setores fragmentados da economia, fazendo com que o funcionamento de uma empresa seja um verdadeiro emaranhado de contratos, obrigações e direitos, cada um trazendo consigo robusta interferência do Direito, com destaque para a responsabilidade Civil.
Com a maior amplitude de atuação de uma empresa, inserindo neste raciocínio a própria globalização, passou-se a ser cada vez mais frequente constatar a presença de uma pessoa jurídica em cada possível relação de direitos e obrigações, o que por óbvio, tornou necessário a adaptação da legislação a esta realidade, não ficando apartado neste novo contexto a responsabilização civil de uma pessoa jurídica decorrentes de condutas ou omissões praticados, ou mesmo aquelas ocorridas mediante atuação de um empregado ou preposto.
Neste sentido, a intenção deste trabalho é identificar as hipóteses de responsabilidade objetiva que atualmente pairam sobre uma empresa no Brasil e de outra sorte, o que ainda estaria albergada na responsabilidade subjetiva da empresa.
RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA NO BRASIL
A responsabilidade civil objetiva encontrou maior guarida na doutrina brasileira mediante o desenvolvimento da teoria do risco, pela qual, aquele que aufere os benefícios de determinada atividade (risco-proveito) ou mesmo faz surgir o risco em razão da particularidade de sua atividade ou profissão (risco-criado ou risco profissional) deve suportar com os danos que eventualmente sejam causadas em decorrência do exercício desta atividade.
A responsabilidade civil objetiva é taxativa, numerus clausus, decorrendo de legislação prévia que tenha estipulado para uma determinada relação jurídica a incidência de mencionada espécie de responsabilidade na ocorrência de dano. Assim, em regra geral, quando não houver previsão quanto a responsabilização objetiva se estará tratando de responsabilidade subjetiva, passível de caracterização mediante existência de um dos elementos da culpa, qual sejam, a imprudência, negligência e a imperícia.
Outrossim, para as empresas brasileiras, ou as que aqui operam, a possibilidade de incidência da responsabilidade subjetiva está cada vez mais diminuta, eis que a própria Carta Maior e o Código Civil vigente desde janeiro de 2003 trataram de alargar as hipóteses de identificação de responsabilidade, independentemente de apuração de culpa, o que indica uma tendência já revelada por leis específicas de alguns setores, mas ainda mais fortemente consubstanciada em termos gerais pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8078 de 11 de setembro de 1990 e, o disposto sobre o acidente de trabalho, esculpido na Lei n.º 8213 de 24 de julho de 1991.
Uma empresa em funcionamento no Brasil está vinculada a diversas hipóteses de responsabilidade objetiva. A principal delas para empresas em geral, sem se preocupar exatamente com algum tipo de empresa, ou mesmo sem se ater se a empresa possui ou não relação direta com o consumidor, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor que fez profunda alteração na relação fornecedor/empresa com o consumidor.
Até o advento do Código de Defesa do Consumidor o fornecedor se escusava atrás de argumentações de que empreendera com toda a diligência exigível na prestação do serviço ou no fornecimento da mercadoria, procurando afastar a culpabilidade por evento danoso incorrido pelo consumidor, o qual por sua vez, restava isolado com a dificuldade de produzir prova da imprudência, imperícia ou negligência da empresa, sobre situação a qual possuía pouco conhecimento ou mesmo era um de contexto inacessível, como por exemplo o processo de fabrição de produto alimentício.
Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor trazendo em seu bojo, a inversão do ônus da prova, modificou completamente a relação entre fornecedor e consumidor, eis que passou a ser incumbência da empresa demonstrar algumas das excludentes de responsabilidade, tendo o consumidor como ônus a demonstração da ocorrência do dano e o nexo causal deste com a conduta omissiva ou comissiva da empresa, independentemente de se perquirir a culpa.
Oportuno citar as excludentes de responsabilidades a serem focadas pelas empresas, quais sejam: a prova de que não colocou o produto no mercado ou não prestou o serviço; inexistência de defeito no produto ou serviço; culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; caso fortuito externo e força maior; e, a configuração da decadência;
Em complemento a esta estruturação de ordem material, houve inovações no âmbito processual mediante a criação dos Juizados Especiais Cíveis, primeiramente pelas Justiças Estaduais e, posteriormente pela Justiça Federal, facilitando ao consumidor “desfrutar” desta sua nova condição frente às empresas, ressaltando outro aspecto de que pelos Juizados Especiais nem sempre a presença do advogado se faz presente, não existem custas processuais em primeira instância, como também não há que se falar em sucumbência, reduzindo fortemente as despesas para se litigar e os riscos financeiros envolvidos.
Com certeza esta modificação do ponto de equilíbrio entre as relações das empresas com o consumidor gerou uma implícita reestruturação da classe empresarial, eis que aquelas que não conseguiram suportar com uma maior exigência do consumidor quanto à qualidade dos produtos e dos serviços, se viram compelidas a deixar o mercado, enquanto que os demais precisaram se adaptar a nova realidade das relações de consumo, nem que para tanto o custo desta melhoria recaísse sobre o próprio consumidor mediante aumento de preços.
A qualificada opinião de Sérgio Cavalieri Filho se justifica:
“E como tudo ou quase tudo em nossos dias tem a ver com o consumo, é possível dizer que o CDC trouxe a lume uma nova área da responsabilidade civil – a responsabilidade nas relação de consumo -, tão vasta que não haveria nenhum exagero em dizer estar hoje a responsabilidade civil dividida em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo.”
Outro aspecto crescente em nível mundial é a preocupação com o meio ambiente. Decorrente de séculos de destruição da natureza sem que se soubesse exatamente o que poderia causar a danificação dos ecossistemas e, posteriormente, mesmo sendo de sabença comum a importância dos recursos naturais, medidas eficazes para se impedir a exploração indevida do meio ambiente ou mesmo aplicar punições rigorosas àqueles que descumprissem a ordem, nunca foram tomadas, em flagrante supremacia de interesses econômicos.
Desta forma, diante de prejuízo evidente ao meio ambiente e por via reflexa à humanidade, com o intuito de se evitar uma verdadeira catástrofe, procurando sistematizar a utilização dos recursos naturais e, principalmente, fixar a importância do meio ambiente, introduziu-se no ordenamento jurídico a Lei n.º 6.938/81, delimitadora da Política Nacional do Meio Ambiente.
Mais adiante, este novo enfoque pretendido pelo legislador culminou com a inserção na Constituição Federal de 1988 o corolário deste novo pensamento por meio o artigo 225, parágrafo 3º, assim redigido:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Destaca-se que a obrigação do agente de reparar o dano ambiental não exclui eventual condenação em dinheiro, sendo importante neste ponto trazer a lição de Silvio de Salvo Venosa[1]:
“A primeira modalidade de reparação de danos que deve ser procurada é a reconstituição ou recuperação do ambiente natural ferido porque não basta simplesmente indenizar: há que ser recuperado o ambiente do mal sofrido. Apenas quando essa recuperação mostra-se inviável é que se deve recorrer exclusivamente à indenização. Em ambas situações, porém, o que é necessário impor ao poluidor é um custo por sua atividade.”
A proteção ambiental se tornou de extrema rigidez que difundiu-se jocosamente pensamentos de que seria mais grave matar um passarinho do que um outro ser humano.
De outra sorte, outra responsabilidade objetiva que pesa sobre a classe empresarial é aquela decorrente de acidente de trabalho sofrido pelos empregados. O acidente de trabalho possui duas vertentes, uma delas a ser exigida perante o INSS – suportada por um seguro social custeado pelas empresas de forma geral – e outra a ser cobrada diretamente da empresa na hipótese de dolo ou culpa do empregador.
A segunda hipótese trata-se de direito subjetivo convencional, destacando todavia, que a primeira delas corresponde à responsabilidade objetiva na modalidade risco integral ou seja, nem as causas de exclusão do nexo causal impedem a configuração da indenização.
Serpa Lopes[2] traz em sua obra que:
“Só numa hipótese o proceder da vítima pode afastar esta responsabilidade: é se ela dolosamente provocou o acidente para receber a indenização…”
Mais uma hipótese de responsabilidade civil objetiva a ser amargada pelas empresas é a decorrente de danos que possam ser causados por seus empregados ou prepostos, quando da atividade laborativa ou em razão dela, conforme exposto no artigo 932, III do Código Civil.
Esta possibilidade de responsabilidade é conhecida pela doutrina como impura, em razão de não ser decorrente de fato próprio, a qual por sua vez recebe a nomenclatura de pura.
Ressalvando que nesta hipótese é possível que a empresa exercite o direito de regresso em face do empregado, não obstante, para esta exigência recairá a apuração por meio da responsabilidade subjetiva do empregado.
Merece menção o artigo 932, IV do Código Civil que prevê a responsabilidade objetiva para “os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;”
Importante destacar que apesar da gama de situações que pressionam a classe empresarial tem-se que não é a intenção da sociedade como um todo provocar a ruína das empresas ou majorar os custos das mesmas de forma a refletir negativamente na própria sociedade, mas sim fazer com que a vítima seja efetivamente indenizado, nem que ausente a culpa do ofensor, fazendo com que haja uma socialização do risco para viabilizar a reparação/compensação.
Isto é, a sociedade por segmentos ou como um todo, formaria um fundo (seguro) para viabilizar o pagamento das indenizações, como mutatis mutantis já acontece com o Acidente de Trabalho e o Seguro Obrigatório.
De outra forma, como meio de aplainar eventual onerosidade causada por indenizações é pensamento consolidado na doutrina e na Jurisprudência que estas indenizações mantenham-se em patamares modestos, evitando a propalação da chamada indústria das indenizações, além de não ser correto possibilitar o enriquecimeto sem causa da vítima e sobrecarregar demasiadamente aquele que prejudicou a outrem sem culpa, ou mesmo com culpa, mas a ponto de impedir o prosseguimento normal das atividade empresarial.
Ademais, a título de maior abrangência da matéria convém apontar algumas críticas feitas quanto à teoria do risco.
A primeiro delas é transformar o elemento moral da indenização em mera questão de nexo da causalidade. Uma segunda crítica seria de que a excessiva carga sobre as empresas inibiriam a atividade econômica. Também consta da censura uma tácita complacência com a imprudência de empregados. Quarto ponto, seria o fato de que o benefício da atividade econômica, o que eventualmente justificaria o risco suportado, não é pertencente exclusivamente à empresa, mas ao Estado e a coletividade, enquanto que o risco sim, é unicamente suportado pela empresa. Por fim, a própria injustiça de se responsabilizar material alguém que não tenha agido de maneira censurável.
Quanto à responsabilidade subjetiva nota-se que praticamente restou muito reduzido o campo de incidência da mesma perante uma empresa, eis que a relação da empresa com outras empresas, normalmente se dará sob a égide de um contrato, por conseguinte, justificando porquanto, a condução de uma empresa com o máximo de cautela e zelo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se como de fato restou restrito o âmbito de atuação de uma empresa sem que não estivesse açodada pela responsabilidade civil objetiva. Eis que uma empresa se relacionada com seus empregados, com o consumidor e com o meio ambiente sob a tutela desta responsabilidade.
Ainda, a empresa mantém elo comercial com seus parceiros comerciais, via vínculo/responsabilidade contratual e com a Administração Pública sob o prisma da legalidade.
Assim, se constata que apenas casos esparsos uma empresa terá a seu “favor” o direito de ser compelida à indenização mediante apuração de culpa ou dolo.
Desta forma, diante do cenário exposto, a atividade empresarial precisa ser bem estruturada, visando a produção de mercadorias ou serviços de excelência, eis que na proteção do hipossuficiente e do empregado foi feita estruturação legislativa que sob alguns aspectos podem ser consideradas inibidoras ou mesmos repressivas à empresa.
Este conjunto demonstra que a atividade empresarial precisa estar amparada em profissionais que conheçam os riscos daquela atividade, bem como, saibam como edificar um projeto que minore a incidência de eventos prejudiciais a terceiros, os quais viriam a acarretar em pleitos indenizatórios.
Esta nova concepção criou novas carreiras profissionais e conferiu importância a tantas outras, com indivíduos dedicados à segurança do trabalho, à prevenção de acidentes, ao controle de qualidade, ao atendimento de consumidores e clientes, à gestão do meio ambiente, à consultoria em planejamento empresarial e gestão de risco.
Quanto aos caminhos trilhados pela responsabilidade civil das empresas do Brasil, resta o acompanhamento por parte dos aplicadores do direito a fim de se evitar abusos por parte de consumidores, empregados e até mesmo do Ministério Público e dos organismos não governamentais.
Em contra-ponto, aponta-se que parte dos ônus que recai sobre o empresariado pode ser atribuído à própria conduta pretérita deste segmento, eis que não demonstraram serem capazes de agir somente em respeito às regras sociais e contratuais, vigentes sobre um ultrapassado prisma jurídico.
[1] Direito Civil – Responsabilidade Civil. 3ª ed. V. IV. Atlas, 2002
[2] SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil: fontes acontratuais da obrigações: responsabilidade civil. Vol. V. 4ª ed. Rev. Pelo Prof. José Serpa de Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.